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Category Archives: Cinema

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A história pode-se repetir? Será que estamos livres de um regime totalitário? Os alunos de uma turma de secundária, que demonstram no início total desinteresse pela questão, pensavam que sim. Um projecto na aula de Autocracia na Alemanha, acaba por tomar proporções impensáveis.

 A experiência pretendia reproduzir na sala de aulas um regime ditatorial, para tal o grupo, baptizado A Onda, possuía uniforme comum, regras autoritárias, chefe (o professor), logótipo, e uma forma de saudação. Todos os elementos pareciam reunidos para exemplificar como surgem este tipo de regimes, os factores e ideologias que os unem, os contextos sociais que os favorecem.

O que a experiência escolar não previa era a reacção dos alunos. Uma turma de adolescentes com famílias problemáticas, uns sem autoconfiança, outros sem espírito de liderança, sem laços e amizade que encontram na experiência de grupo segurança e entreajuda, e claro um guia através da obediência ao seu líder.

Pouco a pouco as coisas fogem de controlo, quando  começam a discriminar quem não partilha dos seus ideais, e começa a viver somente para o grupo. Face a situação o professor vê-se obrigado a terminar com a experiência, mas já foi tarde de mais. Acabando com um final que se previa trágico os jovens, que estavam tão seguros de si, absorviam sem pensar as palavras do líder e estavam dispostos a fazerem tudo o que ele pedisse, nem que fosse uma guerra.

A história, inspirada num episódio real ocorrido na Califórnia (EUA) em 1967, alerta para a facilidade com que as nossas certezas podem ser abaladas, para a fragilidade da nossa opinião própria face a um pensamento de grupo. Este movimento colectivo que nos pode  levados a tomar decisões e fazer acções irracionais.

Afinal poucos dias depois da experiência começar parecia esquecido o discurso inicial de que não poderia voltar a existir um regime fascista porque estavam mais esclarecidos. Parece que eles não estavam, apesar de conhecer a história como o repetiam nas primeiras cenas. E nos estamos mesmo? As nossas convicções são assim tão seguras? 

Sylvie Silva Oliveira

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“Acho que não ficamos cegos. Acho que sempre fomos cegos. Cegos apesar de conseguirmos ver. Pessoas que conseguem ver, mas não enxergar.”                                                                            

  José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira

 

Tão difícil falar sobre este ensaio, tão complexo escrever sobre esta obra, tão problemático adaptá-lo aos ecrãs de cinema, tão impossível de ficar indiferente à sua mensagem.

O desafio do filme era enorme atacar-se a uma obra de Saramago e conseguir transmitir as emoções do seu livro Ensaio sobre a Cegueira. José Meireles fê-lo.

Como no livro as personagens não tem nome, como no livro não há espaço preciso, nem tempo definido, isso não interessa, esta é uma história universal. As causas são desconhecida, o que se sabe é que um homem num semáforo fica cego. O primeiro a ver tudo branco mas certamente não o único. Um após um acaba por cegar: o ladrão que lhe rouba o carro, a sua mulher, o oftalmologista, a mulher de óculos escuros, o homem da venda preta, o menino …

A solução encontrada pelas autoridades face a ameaça é a quarentena, onde as personagens são enclausuradas tal prisioneiros sem condições mínimas. Num espaço fechado começa a luta pela sobrevivência, mas depressa a solidariedade deixa lugar a violência quando um grupo, liderado pelo rei da ala 3, pretende chefiar com violência, intimidação e violações.

A mulher do oftalmologista, a única que não chega a cegar apesar de o desejar, não deixa de ser a que mais sofre com a condição. Como afirma, o pior do que está cego, é ser a única a enxergar. Difícil parece ser assumir a encargo de ser a única a ver, no meio do caos. A sua preocupação, primeiro somente com o marido, começa a alargar-se. Nós assistimos, tal como ela,  à degradação da situação, ela observa mas tem dificuldade em agir. Com ela questionamo-nos de que forma somos responsáveis uns pelos outros, e conseguimos ver-nos. 
Pouco a pouco torna-se líder improvisada de um grupo de sete pessoas, decide agir contra o “rei” e retira a sua “família” da clausura ajudando-os a enfrentar o mundo exterior.

Levado aos ecrãs esta metáfora, sobre o mundo de sobrevivência, violência, desordem,  é perturbadora. Esta parábola não pode deixar de nos transtornar, já que infelizmente espelha tão bem o melhor e o pior que há em nós. Um retrato da nossa realidade e sociedade, um verdadeiro mundo de cegos.

Sylvie Silva Oliveira