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Category Archives: Violência simbólica

As crianças afegãs estão a ser usadas como soldados. São muitas vezes mutiladas, assassinadas e presas – tanto por grupos de taliban como pelas forças internacionais no país. A acusação foi feita pela subsecretária-geral das Nações Unidas para as crianças e os conflitos armados, Radhika Coomaraswamy, em Nova Iorque, depois de uma visita a Cabul.

“Até mesmo os líderes religiosos que simpatizam com o Governo se queixaram amargamente dos danos colaterais” do conflito, explicou esta advogada do Sri Lanka. “Portanto, há a necessidade de as forças internacionais tomarem a sério as queixas e porem em prática medidas para evitar excessos”.

Os taliban consideram que o recrutamento de crianças é ilegal, segundo as regras pelas quais se regem (só um homem com barba no rosto pode ser mujahedin). Mas a verdade é que nos últimos meses não obedeceram a esta regra, contou Coomaraswamy. Há crianças que estão até a ser usadas como bombistas suicidas.

Por outro lado, nos ataques das forças internacionais no Afeganistão, muitas crianças são mortas ou mutiladas. E outras vezes detidas para interrogação.

Uma das recomendações da subsecretária-geral da ONU foi que o Afeganistão faça mais para acabar com uma prática muito antiga de manter rapazes com menos de 18 anos (normalmente à volta dos 14) como escravos sexuais de senhores da guerra e comandantes militares. O tema é normalmente considerado tabu e as únicas referências que se encontram são do género: “Há mil anos que se brinca com rapazes, a prática chamada bacha bazi; para quê levantar agora o problema?”

Os bacha bereesh são rapazes imberbes que se vestem como raparigas e dançam para os seus patronos em festas no Norte do país, numa tradição que Coomaraswamy entende que devia acabar: “Falamos de violência sexual contra raparigas e rapazes, que também é terrível, mas de igual modo deveríamos encarar a sério este caso escondido da violência sexual contra rapazes”.

No Norte do Afeganistão, antigos senhores da guerra e comandantes dos mujahedin têm reatado a prática de abusarem sexualmente dos rapazes, e por vezes até de os venderem, contou no ano passado à Reuters o chefe da segurança na província de Kunduz, general Asadollah Amarkhil.

“Alguns homens gostam de brincar com cães, outros com mulheres. Eu prefiro brincar com rapazes”, explicou-se Allah Daad, antigo comandante da guerrilha naquela região.

Fonte: PUBLICO [versão impressa online, 9.07.08]

 

 Mulher, vítima de violência conjugal, casada há 27 anos. Vítima das inconstâncias mais vulneráveis da vida: vítima de uma agressão justificada pelo consumo de álcool e toxicodependência. Tornara-se, também, uma alcoólica depois de muito tempo de agressão. No entanto, não encontra no álcool e no consumo de estupefacientes uma razão desculpável para o acto da agressão: apenas uma agravante!

Assim, a vida já antes do casamento e dos filhos tornou-se um “paraíso perdido” e irrecuperável, onde a sua integridade como sujeito não estava segura, pois a vítima passou por uma época de degradação em muitos aspectos. Esta mulher conheceu a visão sombria do casamento, porque desde sempre esteve aliada a perseguições, injúrias, ameaças e violência, sem término.

Veja-se:

“Foi há 27 anos que eu levei a primeira bofetada, porque num casamento informal de um amigo me prestei a dar uma cerveja a um colega do meu marido que estava do outro lado da mesa. Chorei abafada, estarrecida, incrédula e magoada. Pedi-lhe para não me deixar, porque depois de muitas desculpas, lambemos as feridas e eu jurava que era para “Nunca mais”. (…) A partir daí foi um calvário desde injúrias, murros, caneladas, punhos, puxões de cabelo, patadas, tentativas de estrangulamento… Só queria uma coisa, que ele não me deixasse  e não fizesse barulho para que ninguém soubesse. O que eu queria era calar aquilo que gritava dentro de mim. Lembro-me que bastava uma palavra, um gesto, um olhar, o olhar dos outros para mim num segundo: tudo servia de pretexto para me encher literalmente de porrada. Lembro-me perfeitamente de estar a dar banho e ele surgia e eu tentando equilibrar-me na banheira só cobria o rosto porque tinha que ir trabalhar. Lembro-me de trabalhar com hematomas no corpo e na cabeça e da imensa tristeza e angústia de amar uma pessoa que me fazia tão mal e de acreditar sempre que a culpa era minha, que não devia ter dito, que não devia ter feito, que não devia ter falado, etc. (…) Mas com o tempo, lembro-me de uma vez ter bebido um copo de vinho com a comida que sobrava do jantar dos meus filhos, pois trabalho das 14:30h às 23horas e que bem que me senti! O sono veio depressa e assim comecei a beber sem me aperceber. Ninguém bebe só por um motivo, mas com tudo junto tornei-me mais fraca e débil e, por isso, não consegui dizer não. Depois de uma pessoa ser vítima, por vezes, torna-se agressora! Quando bebia batia nos meus filhos e hoje orgulho-me de aos 16 anos a minha filha reagir e dizer que ia à polícia e aquilo “bateu-me completamente” e ajudou a refrear-me. Nada justificava eu lhes bater, mas por vezes ficava sem paciência, aliada à preocupação e cansaço de ter que fazer tudo sozinha sem um amparo, deixava-me benevolente e permissiva, por um lado, e agressiva, por outro. Quando se fica sozinha e sem muitas bases de apoio, os pais tornam-se ambivalentes, porque culpam-se por tudo e isso torna-os mais inseguros, levando-os a extremos. (…) Fiquei marcada para toda a vida e espero ganhar esta guerra.”

Ana Ferreira

 Ana Ferreira

Ocupando a oitava posição no ranking das línguas mais faladas, a língua portuguesa é prolixa em expressões e adágios de cariz sexista, outrora eficazes arsenais no aniquilamento do papel da mulher na esfera pública. Os nobres “conselhos da sabedoria popular” deambulavam de boca em boca como método de corroborar as práticas discriminatórias mais abusivas, fomentando subsequentes estereótipos detractores da imagem feminina.
Do iletrado ao mais sofisticado, ninguém hesitava em recorrer ao seu uso para levar avante as suas pretensões, nomeadamente o déspota Oliveira Salazar. Na realidade, tais máximas deram expressão à posição adoptada pelo Estado Novo em relação ao papel feminino na sociedade: “manter o asseio, a ordem e a alegria no lar”, ou seja, “tornar a casa atraente e acolhedora, prestar ao marido a deferência e a submissão como chefe de família”.
Vejamos alguns exemplos de provérbios veladores de propósitos nada prezáveis:- “Quanto mais me bates mais gosto de ti”: desvalorizar a violência física, psicológica e sexual exercida secularmente sobre a mulher.
“A mulher e o melão, o calado é melhor”: silenciar a mulher, sonegando a sua opinião.
“Do homem a praça, da mulher a casa”: remeter a mulher para a esfera doméstica, inibindo e restringindo o seu espaço e oportunidades na esfera pública.
“Quem a sua mulher ensina a ler ou é cornudo ou está para ser” ou “da burra im e da mulher que sabe latim, livra-te tu e a mim”: aprisionar a mulher nas teias da ignorância como forma de apassivá-la.

A lista de provérbios sexistas (quase misóginos!) não termina aqui, pois os exemplos são mais do que muitos.
Embora estejam a cair num progressivo desuso, isso não significa que o sexismo esteja ausente na linguagem. Pelo contrário, segrega ainda nos sistemas linguísticos, quase irremediavelmente. Elege-se o masculino para designar o conjunto dos dois géneros; os plurais constroem-se no masculino, independentemente do número de elementos femininos; algumas profissões não têm simplesmente equivalência no feminino.
Secundando Simone de Beauvoir, o homem parece constituir um ponto de referência; a mulher um ser alienado, o “outro” que se edifica socialmente sempre em relação ao homem. A linguagem é um insigne exemplo disso mesmo: é monopolizada pelo masculino, contribuindo inevitavelmente para o adensamento da violência simbólica – não menos nociva, igualmente atroz.
Porque o sexismo na linguagem não deve ser encarado como um mal menor, esbocemos estratégias para dissipá-lo peremptoriamente!

Anabela Santos
AnabelaMoreiraSantos@sapo.pt

Social e politicamente reflectindo, evidencio o papel da linguagem dita Sexista que contribui para o desequilíbrio da balança no seio das relações sociais ou mesmo individuais entre homens e mulheres, relações estas de subordinação ou de liderança levadas ao extremo.
Quando articulo linguagem sexista com relações de dominação, refiro-me, à tendência ou tradição, em generalizar o mundo a um só sexo: ao sexo masculino. Ou seja, somos uma Sociedade Patriarcal que menospreza a “fecundidade”, a razão da procriação – a Mulher. A relação que existe entre linguagem–pensamento-mundo é uma relação dialéctica mas, em grande parte, contraditória. Alguns estudos dizem que as “presenças” são sempre feitas no masculino e que, como é óbvio, as fotos das mulheres predominam na divulgação dos Mass Media ( e as de cor negra quando é conveniente!), fotos estas que mostram duas funções redutoras da mulher: a lida da casa e a exposição corporal – duas realidades distintas mas verosímeis. Portanto, fragilmente enquadrada numa situação de exclusão e de segregação social, a mulher, ainda hoje, no Mercado de Trabalho tem um salário inferior ao do homem (ganha 30% menos do que o homem, mesmo quando têm o mesmo emprego); alguns trabalhos são considerados “extensões das tarefas domésticas” (por exemplo, o trabalho infantil); algumas mulheres são “bodes expiatórios da Sociedade”, por isso são acusadas de má Socialização e má formação dos educandos; algumas mulheres, ainda hoje, não têm direito à contracepção; algumas mulheres são alvo de mutilações genitais, físicas, psicológicas, morais, entre outras. “Crua e nua” a realidade – não acham?! Para além disso e em jeito de reforço da ideia anterior, estudos no âmbito europeu resumem o seguinte: “emprego, remuneração, formação contínua, organização do trabalho, acesso a lugares de responsabilidade, respeito pela dignidade, representação na vida pública são domínios em que as mulheres ainda não ocupam uma posição de igualdade relativamente ao homem”. Por isso, o Parlamento Europeu aposta, em si próprio, por ser um espaço de “oportunidade para as mulheres se afirmarem”. Apelo-vos a folhearem os jornais, a consultarem a realidade e, no final, fazerem o historial do menosprezo feminino. Ser Mulher é ser mais do que um corpo, é ser mais do que uma mãe, do que uma filha e essencialmente do que uma esposa: Ser Mulher é Ser Humana! No Mundo Ocidental, de acordo com as análises estatísticas, as mulheres detêm apenas 1% da riqueza mundial e ganham 10% das receitas mundiais, apesar de constituírem 49% da população; quando se considera a criação dos filhos e o trabalho doméstico, as mulheres trabalham mais do que os homens, quer no mundo industrializado, quer no mundo em vias de desenvolvimento (20% a mais no mundo industrializado, 30% no resto do mundo)…
A Realidade revê-se diariamente, as questões levantam-se mas a mentira é confrontada quando na passagem da Vida se espelha o sangue, as lágrimas e o silêncio de uma Mulher violentada, torturada, mal amada.
Ana Ferreira
anokas33@sapo.pt