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Category Archives: Infanticídio

O Governo indiano pôs em marcha um conjunto de políticas de combate ao feticídio e infanticídio femininos, práticas que adquirem largas proporções no país – mais de dez milhões abortos selectivos praticados nos últimos 20 anos.

A ministra do Desenvolvimento das Mulheres e Crianças indiana, Renuka Chowdhary, lançou a campanha “Conditional Transfer of Money for Female Children with Insurance Cover”, por meio da qual as famílias mais carenciadas que decidam ter filhas beneficiarão de ajuda económica. A soma será atribuída até a criança atingir os 18 anos. O objectivo do Governo consiste em incentivar o nascimento de crianças do sexo feminino.

O programa visa incentivar as famílias a olhar para as raparigas como um vantagem e não como um fardo, já que levarão dinheiro para casa desde o dia do seu nascimento”, explica Renuka Chowdhary.

Os incentivos económicos serão atribuídos consoante os cuidados que a família manifestar em relação à filha, no que respeita mormente à saúde e educação. Se a rapariga atingir a maioridade solteira e com os estudos finalizados, o Governo indiano atribuirá um bónus à sua família. Renuka Chowdhary acredita que a adopção de tais medidas permitirá salvar 100 mil crianças do sexo feminino no primeiro ano de aplicação.  

A activista pelos direitos da mulher, Bajayalaxmi Nanda, mostra-se reticente quanto às consecuções do novo programa. Para ela, os abortos selectivos não ocorrem apenas nas famílias mais pobres, pois “a classe média e a alta também os praticam muito”. Os motivos da prática do feticídio e infanticídio femininos são de diversas naturezas: económicas e socioculturais.

Na Índia, a mulher é secundarizada e menosprezada, designadamente na família. O homem é símbolo de força, competência e sustento. Por isso, em uníssono com outras activistas, Bajayalaxmi Nanda defende que a erradicação de tais práticas passa indubitavelmente por campanhas de sensibilização da população indiana.

À distância, parece-me uma iniciativa laudável que, independentemente das suas limitações, se impôs para asfixiar práticas corrosivas dos direitos da mulher. Aguardo, expectante, os frutos da aplicação do novo programa, ansiando que se traduzam num empoderamento significativo da mulher indiana.        

Anabela Santos

Draupadi é o nome da princesa do Hindu épico de Mahabharata. Draupadi é também a designação de um execrável e pululante fenómeno na sociedade indiana: a comercialização de mulheres vendidas pela família para casamentos forçados. Em inúmeros casos, estas mulheres não se casam legalmente. Elas são vendidas e mantidas como escravas domésticas, sendo obrigadas a ter relações sexuais com o marido e com os seus irmãos solteiros ou outros familiares. Grande parte das mulheres vítimas de tráfico vem das regiões mais pobres da Índia para o Norte do país, onde a selecção pré-natal do sexo e o infanticídio feminino provocaram um défice do número de mulheres em relação ao de homens. Por exemplo, em 2006, nasceram apenas 861 meninas para um total de mil rapazes na região de Haryana. A preferência por crianças do sexo masculino, a desvalorização da mulher na sociedade e o acesso facilitado a práticas como o feticídio e infanticídio agudizam a realidade demográfica da Índia.
Anabela Santos

“Mulher indiana sofre e a sua consciência tortura-a”

Na Índia, o nascimento de crianças do sexo feminino é um desaire para a família, incluindo para a própria mãe, para a qual, pior do que as dores do parto, é o facto de saber que deu à luz uma menina. Os olhares, vozes e gestos dos membros da sua família e comunidade são de repúdio, consternação e incúria. Muitas parturientes de meninas são negligenciadas, maltratadas e, inclusivamente, abandonadas pelos seus maridos.
 
De acordo com a UNICEF, o distrito de Shravasti constitui a pior região indiana para nascer mulher. No “Global Gender Gap Report 2007”, a Índia ocupa a 114ª posição, num conjunto de 128 países: a igualdade na educação, a saúde e a economia são muitíssimo débeis no país.
 
Para a sociedade indiana, a mulher representa um pesado encargo financeiro, uma vez que, aquando do casamento, a família da noiva terá de efectuar o pagamento do dote. Na verdade, o sistema tradicional do casamento indiano determina que “as raparigas deixam a casa dos seus pais permanentemente no dia do seu casamento” para integrar o núcleo familiar do seu marido, acompanhadas por um “montante significativo”. Não obstante a ilegalidade do dote – desde 1960 –, este é uma prática corrente entre os indianos, e fundamente nefasta para a mulher. Nela, vêem somente o dispêndio de cifrões em vez da sua identidade própria, confinam-na ao menosprezo e à segregação, cerceiam os seus direitos fundamentais.

“Ouço-as gritar dentro de mim: mamã não me mates!”

 

Na índia, bem como no Paquistão e na China, o infanticídio e o feticídio femininos são amplamente praticados. Por meio de “um processo psicológico que a comunidade desenvolve”, as indianas são instigadas a matar as suas próprias filhas. A pressão recai sempre na mãe da criança, consideradas, frequentemente, culpadas pelo nascimento de uma rapariga – “há cada vez mais sogras a queimar as noras vivas”. Por isso, muitas indianas matam as suas filhas antes ou após o parto. Com o desenvolvimento tecnológico, muitas recorrem à selecção pré-natal do sexo da criança no sentido de evitar o nascimento de meninas. Este recurso redunda, frequentemente, no feticídio feminino. Na Índia, estima-se que cerca de 10 milhões de fetos femininos foram abortados nos últimos 20 anos. A erradicação de tais práticas exige uma mudança de atitudes, o banimento das barreiras mentais edificadas pelo patriarcado e nutridas pela pobreza e fechamento intelectual. Secundando a especialista em Política Social da UNICEF, Rama Subrahmanian, “não é possível para estes lugares não mudar. Mas a absorção no mainstream não acontece rapidamente”.
Anabela Santos
À morte de crianças recém-nascidas chama-se infanticídio. Desde sempre este comportamento violento foi considerado “crime contra a vida”, pelo que o Direito penal, em alguns países apresenta-o como um crime grave, pós-parto. No entanto, em muitas comunidades, engravidar antes ou fora do matrimónio era motivo de desonra familiar, o que levava muitas mulheres a cometer uma atrocidade, deste cariz, para salvaguardar o direito a ter um lugar “digno” no seio da família de origem. Refiro-me ao conhecido infanticídio honoris causa.
Este crime tem pena diminuída se a mulher e mãe estiver em estado de perturbação emocional. Em caso contrário, o comportamento anómico da mulher é setenciado por crime de homicídio.
Claramente que o delito provocado, para privilegiar a honra familiar torna-se injusto e amoral pela imprudência, exclusivamente, sexual. Na realidade, a desproporcionalidade da setença penal encontra-se, exactamente, no facto da culposa ver suavizada a sua lacuna comportamental, por referenciar o seu estado puerperal ( aquele estado que refere a tal desestabilização psíquica e emocional). A propósito, há teses que advogam que se a mulher matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, de forma culposa, não responde por delito algum (nem homicídio, nem infanticídio). Apesar disso, o arrependimento e o estado consciente pós-delito não justifica, no meu ver, a banalização do crime, nem tão pouco a absolvição da agressora.
A possibilidade técnica de contornar esta lacuna normativa e moral, de extrema gravidade revela-se injusta quando comparada à ordem do espiritual, na sua plenitude.

Ana Ferreira

(anarafaelaferreira@gmail.com)